segunda-feira, novembro 21, 2005

do outro lado do espelho

faz hoje exactamente uma semana que fui ver o alice.
não é fácil falar sobre esta fita.
visual e plasticamente é perfeita.
a fotografia é perfeita.
a luz é perfeita.
marco martins tem talento.
percebe do seu métier.

mas alice é, na minha opinião, uma fita vazia.
talvez seja essa a intenção.
porque é uma fita sobre o vazio.
o vazio que o desaparecimento de uma criança deixa nas vidas dos seus pais.
mais precisamente, do seu pai.
e de como este pai tenta preencher o vazio.
e de como esta tentativa se torna obsessão.

é incontornável a referência a antonioni, ao ver alice.
e não é apenas pela alusão ao mítico blow up, através das ampliações das imagens que este pai recolhe com as suas onze câmeras.
jean moure, num ensaio brilhante sobre o realizador italiano, diz que ele é o cineasta do vazio.
o vazio que resulta da rejeição das estruturas tradicionais da narrativa.
o vazio da realidade interna das personagens que raramente se abre para o exterior.
o vazio da incapacidade de comunicar, tão própria do homem moderno, por mais contraditório que isso possa parecer.

antonioni tinha um “truque” excepcional para dar às suas fitas, cheias de planos longos e introspectivos, um ritmo fresco, que permite ao espectador respirar e desfrutar, sem descaracterizar o seu estilo próprio: a montagem.
com este cineasta, a montagem ganha um novo fôlego, pois é a movimentação dos actores e a dinâmica criada entre eles (e com o espaço em que se movem) que marcam os momentos fortes da narrativa, ao contrário da montagem/corte clássica.

sente-se em alice que marco martins procura uma linguagem do vazio.
mas sente-se também que um voo tão alto saiu caro demais.
é a sua primeira longa metragem.
mas o resultado fica muito aquém das expectativas.
falo exclusivamente das minhas, é óbvio.
porque a crítica (nacional e internacional, diga-se) parece unânime em aplaudi-la efusivamente.

no escurinho do cinema ninguém aplaudiu.
apenas algumas bocas se manifestaram, mastigando frenética e compulsivamente as típicas bolas de esferovite a que se convencionou chamar pipocas.

a alice, essa, ficou irremediavelmente perdida.
do outro lado do espelho.
que é como quem diz, do outro lado da tela - acredito que era possível fazer uma fita menos vazia, mesmo com o vazio lá dentro.